top of page
Marcos Cesário por Ninex Photos

O fotógrafo Marcos Cesário volta a pensar em voz alta sobre um dos temas que mais o inquieta: a Arte. Individualista, disciplinado e em constante evolução, Cesário está atento ao seu próprio tempo e ao mundo que, dia a dia, ele vive e recria.

por EMILIANA CARVALHO

Foto:  NINEX PHOTOS



Por que fotografar?
Marcos Cesário – Meus retratos são fronteiras que libertam minhas frágeis percepções. A verdade dos meus retratos respira a custo de muitas mentiras. Mentiras acalentadas pela fragilidade dos meus dias. Não fotografo para saber quem sou, fotografo para esconder o que acredito que não deveríamos ver, ser. Minha paz nervosa deve se submeter à realidade das minhas recriações. Fotografo para me recriar...

Em toda a história da humanidade registram-se inúmeras expressões artísticas que foram "utilizadas" em causas de cunho ideológico e/ou religioso. O que você pensa sobre a arte engajada?
Marcos Cesário – Só conheço uma arte engajada: é aquela que vence a mesmice e transcende o olhar acostumado. Se eu pensar em meus retratos não posso colocá-los a serviço de nenhuma ideologia... Meus retratos estão sempre amarrados por um silêncio nervoso, indefinível até pra mim.

Oscar Wilde disse que "definir é limitar", mas tente definir um temperamento artístico. Para você o talento e o caráter andam lado a lado? O que é um artista?
Marcos Cesário – Um artista pode ser um homem de caráter duvidoso e, ao mesmo tempo, um artista autêntico. Pode ter um temperamento medíocre e encantar com sua sensibilidade. Wagner era um antissemita e não era um compositor desprezível, muito pelo contrário. Picasso parece-nos ter sido arrogante, sua arte foi, é, de uma incontestável e provocadora beleza. Van Gogh tinha surtos de loucura, fato que não parece ter interferido de forma negativa em suas obras. Pode até ter ajudado... Lembrei-me de Manoel de Barros: "O artista é um erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito!" Mesmo eu não me achando um medíocre tenho plena convicção que meus retratos são melhores do que eu, assim como estou convicto que boas intenções não melhoram nem pioram a palheta do pintor. Mas o engajamento partidário ou ideológico do homem pode limitar o temperamento do artista e consequentemente da obra de arte. Grandes escritores nos deram obras abaixo de seu talento ao tentarem por suas obras a serviço de uma ideologia partidária. O próprio Julio Cortázar, escritor refinado e homem ideologicamente engajado, afirmou isto. Eu sou engajado em alguns projetos de transformação social e acredito nesta postura. Não como artista, mas como homem-consciente. Como artista perfeccionista, acredito que a liberdade da arte consiste em que o artista se entregue ao seu único e autêntico engajamento: criar, refazer o mundo que ainda imaginamos tão mal.

Então, qualquer um com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça não vem a ser necessariamente um artista.
Marcos Cesário – Clarice Lispector chamou a intenção de vocação, e a capacidade de chegar a esta mesma intenção de talento. Ter a intenção, uma vocação, é ter uma ideia. Mas sem talento, uma ideia na cabeça é só mais uma ideia. E uma ideia não se torna arte pelo simples fato de termos tido uma, de estarmos com uma câmara de "1 milhão de gigabytes" na mão. Um artista – neste caso, o fotógrafo ou cineasta – é aquele que, dotado de talento, é perturbado por seu talento e suas ideias. Com ou sem câmara na mão.

Em todas as épocas houve, logicamente, a dita Arte Contemporânea. Em algum momento todas as manifestações artísticas foram novas, abriram espaço no mundo, foram importantes ou foram descartadas pelo tempo. Mas, e a nossa Arte Contemporânea ela sobreviverá ou perecerá?
Marcos Cesário – Estes caixotes de madeira umas em cima das outras? Estes montes de ferros retorcidos com títulos afetados não merecem nem opinião. Como pode sobreviver algo que nem respira? No século XVI ou no século XXI a arte é sempre contemporânea. Mas estes ferros retorcidos eu não sei, nem tenho tempo para tentar definir... Mas arte não é.

A literatura está sempre presente em suas produções. É uma opção ou uma condição?
Marcos Cesário – Meu talento se revelou antes de conhecer a literatura. Ler, para mim, hoje, é uma condição. Fotografar e ler são duas condições complementares. Leio, releio para sentir-me acompanhado dentro de um mundo "real", sitiado pelo consumismo e pela futilidade. Fotografo para refazer este "real", para construir uma atmosfera íntima e nela poder viver, sonhar, respirar. "Cometo ações como um poeta comete versos!". Salve, nosso Agostinho da Silva. É assim que cometo meus retratos.

Um dos traços de sua fotografia é a intervenção de elementos contrastantes nas imagens como, por exemplo, bailarinos no sertão. Isto é o que marca seu estilo?
Marcos Cesário – Meu estilo vem de uma necessidade de inverter a realidade para torná-la mais clara. Os bailarinos no sertão é uma dessas intervenções, assim como as noivas, os atores, os ensaios de nus no sertão. Eu tento enquadrar o mundo relendo tudo pelo avesso. Para tornar o claro mais escuro e revelar o escuro das coisas aparentemente claras. Escondendo as coisas sinto que vou me mostrando, nos mostrando melhor (risos). O que estou tentando dizer mesmo? (risos).

Você enquanto artista sente-se confortável em seu tempo? Sua fotografia está onde deveria?
Marcos Cesário – Um artista nunca está confortável no tempo em que vive. Se estivesse confortável neste tempo não poderia aspirar ao humanamente-atemporal. Não seria um artista. Minha fotografia vai onde ela pode ir. Isto não depende só dela. Não depende só de mim. Milan Kundera: "Sem o olhar do outro nada somos". Minha fotografia, assim como eu, estará sempre sujeita ao olhar do outro. [André] Gide disse que não escrevia para o passado ou para o presente, mas para que, em qualquer tempo, sua obra pudesse viver o hoje. Minha passagem por aqui neste mundo que respiramos e inventamos é curta. Espero que meus retratos durem mais que eu. Quem sabe até o próximo meteoro visitar-nos (risos). Mas, durar é apenas mais uma vaidade humana. Como sou humano meus desejos são limitados, mas para mim é o bastante. Minha arte na verdade não é minha, ela é um monte de retalhos instintivos e cognitivos que me foram transmitidos pelo encontro de meu temperamento com circunstâncias adversas e irreproduzíveis. Penso que se eu for competente o bastante, como acho que sou, os retratos que me usam para revelarem-se poderão encontrar e influenciar novos retalhos, novos temperamentos. Chega! Quanto mais falo menos consigo explicar (risos).  

Você tem alguma técnica para fotografar?
Marcos Cesário – Sim, tenho. Antes de retratar qualquer coisa eu, atenciosamente, "escuto a cor"*.


*Fragmento da obra ‘A morte de Artêmio Cruz’, de Carlos Fuentes

bottom of page